terça-feira, 29 de julho de 2008

Filho trigueiro

Deambulava as mãos pelos braços da cadeira de balouço, meio perdida, meio encontrada, quando a ave pousou perto do beiral da sua janela.
Era um fim de Verão quente no Alentejo dourado.
Abriu a porta e prontificou-se a segui-la.
O pequeno pássaro salpicado de várias tonalidades saltitava devagar como se percebesse que a devia guiar. De repente, parou no meio do campo trigueiro, já queimado pelo sol escaldante que havia teimado em aparecer dias a fio.
E lá estava ele, de olhos fechados a saborear o calor da vida, o sossego da paisagem rural.
Ela, pé ante pé, já com a ave pousada no seu ombro, aproximou-se dele e tapou-lhe os olhos, como que a incentivá-lo a adivinhar a sua presença. Ele sorriu, reconhecia a sua pele macia e o seu cheiro adocicado.
- Faz-me um filho... – Disse ela sussurrando, transpirando de sonho e transbordando de amor. Ela ansiava por uma criança que celebrasse o que o seu ser já não tinha capacidade para exprimir. E havia pensado que o queria gerar num local com cheiro a terra, com céu azul brilhante, num momento terno e sincero.
- Faz-me um filho, agora... aqui...
A ave já havia voado do seu ombro e pousado num monte de feno que o agricultor do lado ali havia guardado.
Ele sentou-a ao seu colo, afastou-lhe do rosto os cabelos desalinhados pelo desejo e enroscou-se na sua cintura, enquanto lhe cobria o pescoço pálido de beijos.
- Um filho? Aqui?... – Perguntou sem parar de beijá-la e intensificando o desatino das suas mãos enquanto lhe desapertava os botões da blusa de nylon cor de marfim.
- Sim... O primeiro, fizemo-lo sob uma lua cheia, numa mata verdejante. O céu estava tão estrelado... E ele saiu claro como eu, com cabelos de noite como os teus e sonhador como a lua... – Respondeu ela entaramelada pela onda eléctrica que subia pela sua coluna.
- E agora... – Continuou ele, com a camisa dela completamente aberta, e sacudindo-se da dele. - Agora, quero um filho de pele bronzeada como a tua, com cabelos de fogo como os meus e com um coração generoso como o sol que nos abraça neste campo trigueiro... - Explicou ela que se havia deitado, com os cabelos a cobrir o trigo envelhecido, enquanto se tapava com ele, segurando-o pelas costas despidas.
O pássaro chilreou alegremente uma melodia harmoniosa em dó e ré. Sentia-se alegre por presenciar um momento mágico de amor.
O desaprumo dos corpos que já começavam a suar uma paixão daquelas raras e longas, contorcia-se com o agitar dos sentidos.
Logo após a ter penetrado beijou-lhe eternamente a boca com sabor a sal e açúcar mascavado.~
Ela deixou-se invadir por um estremecimento húmido e cortantemente feliz. Sentia os fluidos a rodopiarem num bailado suave, o amor a entrar-lhe pelas entranhas. Depois de rebolarem pelo chão coberto de trigo e poeira, de soltarem risos e de trocarem baixos gemidos ofegantes, voltaram a fundir-se num só.
A sua alma vagueava pelo corpo dele, lembrando saudosamente todos os recantos de uma história de amor. Nos seus avanços ritmados e fortes lia cada página que juntos haviam escrito. O dia em que se conheceram, o dia em que se amaram pela primeira vez, o dia em que casaram, o dia em que conceberam o filho primogénito, o dia em que o trouxeram ao mundo...
Ele, com o coração a pulsar-lhe no órgão hirto, sonhava com memórias fotográficas que registara dela em pequenos e grandes dias. Tinha o louco hábito de lhe tirar fotografias mentais, para guardar no cantinho mais especial do seu peito. Como vagas de lembranças, surgiam-lhe o rosto dela rosado e luminoso aquando lha apresentaram no coreto do jardim; o seu cabelo suado de prata no momento em que conceberam o filho; a sua silhueta de azul celeste quando no Domingo passado a encontrou a dormir no sofá qual Bela Adormecida...
E o odor que o seu cabelo exalava, a camomila e tília... Era capaz de o reconhecer num milhão de cabelos femininos. Mal o sentia ficava como que enfeitiçado por uma vontade descontrolada de a possuir.
Ele sorveu-a mais avidamente e explodiu de excitação.
Ela embriegou-se de pequenos cliques que a alagaram de entusiasmo. Lentamente, ele levantou a cabeça do seu rosto e olhou-a demorada e embevecidamente. Tirava-lhe mais uma fotografia para o álbum da eternidade. Ela sorria de olhos postos no sol, porque sentia que a semente do segundo filho acabara de ser plantada no seu ventre.
O pássaro parou de cantar, como que em gesto de respeito.
Silênco, que se acabou de fazer um filho...
OBS.: Texto de ficção escrito e ilustrado por mim

4 comentários:

Célia Ribeiro disse...

OLá Sara

Além da pintura onde transparece uma GRANDE sensibilidade, e sinceridade, também nestes contos as palavras aparecem com a doçura quase tranquila de pensamentos felizes.
Além destas coisas todas, ainda há 3 filhotes que fazem parte de uma vida.
Com a idade digo-lhe que ainda vai ser muito melhor, em tudo o que planear fazer.
Beijos

PS PARABENS
Célia

Anónimo disse...

Minha Rosa Mai Linda
(agora da blogspot e arredores)

Só para que conste, o teu amiguito Trovão esteve aqui...

Beijoca Grande

Sara V. disse...

Célia,

Obrigado pela visita... e, claro, pelas palavras!

Tem razão, existem os 3 filhotes (em primeiríssimo lugar)e as artes - as letras e os pincéis...
No mundo da escrita já fiz algumas coisas interessantes (em termos profissionais, obviamente)... Mas agora queria experimentar a escrita livre... Livre como são as minhas tintas... E gosto da fusão de ambas... São artes que se complementam.

Gostei dessa ideia... Espero mesmo que a idade traga coisas boas:)
Afinal, enquanto hà vida há evolução...

Beijinho

Sara V. disse...

Trovão...

És um amiguito e pêras! Ah, ah!

Obrigado!

Beijo grande