domingo, 27 de julho de 2008

Bagos de amor

O amor é louco como os beijos dele.
Despem-se sem pudor na vinha e entregam-se a um desejo sem fim.
Nunca percebera a insanidade de apenas pensar numa fusão eterna de línguas, braços, pernas... Sempre lhe parecera estranha a ideia de perder a conta às horas, aos outros, ao mundo. E agora não queria parar, nem perante o olhar curioso do cão da vizinha da casa amarela.
A boca não sossegava enquanto não sorvesse toda a alma e todo o corpo dourado dele. Ele sufocava-a com o seu peso e com a sua sofreguidão.
Não estava certo mas era incontrolável. Como lhe sabiam bem aquelas mãos sempre quentes e aquela respiração acelerada.
Estremecia com o toque das duas peles, com os olhos fechados dele que pareciam devorá-la.
Era sempre na vinha, de manhã bem cedo, mal o sol nascia. Era à hora que dava jeito, que passava mais despercebido tamanho turbilhão de vontades impostas por uma paixão que se arrastava no tempo como se ansiasse ver-lhe o fim e não fosse capaz.
Hoje, ao olhar intruso do animal juntara-se o olhar triste do marido, que sempre soube mas que não queria saber.
Quando os seus olhos encontraram os dele, ficou imóvel, quieta, indiferente, consumida por um desejo que não a deixou levantar-se e correr atrás dele quando ele voltou costas e caminhou em direcção à montanha. O que mais quis foi ser capaz de amá-lo como amava aquele que estava dentro dela, mas nunca conseguira, nem se esforçara porque sabia que nunca teria forças para tanto.
Uma lágrima escorreu-lhe pela face, enquanto esperava pelo êxtase dum enlace frenético e desvairado. Ele, de olhos perdidos na busca do derradeiro prazer não vira o marido dela, não vira a lágrima que ela deixara soltar enquanto continuava a querê-lo, mas sentira nas suas pernas uma tristeza e um frio que o contaminou, levando-o a abrandar para com calma e compaixão a encarar.
- Porque choras?
- Porque te amo...
Ela abraçou-o, procurando colo nos braços que a levavam magicamente à loucura. Foi como se a alma dela se tivesse desprendido do corpo para entrar no dele e o sobrecarregar de toda a tristeza que no instante se apoderara dela, que a martirizava por não sentir culpa, só amor.
- Ou porque não o amas?
- Porque ele nos viu e mesmo assim não consegui deixar-te, deixar de te amar...
É Setembro e as uvas da vinha estão maduras, doces, brilhantes, embora empoeiradas pelo calor do Verão.
Ela beija-o avidamente. Ele volta a invadi-la. O que ela queria era que todos os olhares da terra pousassem naquele acto que a dois exprimia a entrega de todo o seu ser, para que o marido não mais pudesse fingir que não sabia. Porque ele fingia há anos e ela já não suportava tanto sofrimento. Queria ser livre para amar quem de verdade amava, na vinha, na ribeira, na montanha, onde o desejo lho pedisse e a necessidade obrigasse. De manhã, à tarde, ao anoitecer... Aquele cheiro a amêndoa e jasmim pelo seu amor exalado fazia-a voar para castelos nas brumas, para riachos celestes...
- Porque não partimos? – Pergunta ele, depois das estrelas terem atravessado os raios de sol.
- Porque esperas que seja ele a partir? – Insiste.
- Para te poder amar o que te amo...
Um bago de uva morangueira soltou-se pela força da gravidade. Como se o seu peso não fosse mais perdoado pelo tempo. Como se a videira já não suportasse mais a sua doçura...”
Obs.: Texto de ficção escrito e ilustrado por mim

4 comentários:

meldevespas disse...

Olha que ideia tão fixe Sarita!
É que não acho nada que apesar de estares nas tintas, te esteja mas tintas ehehehe
acho mesmo muito bem juntares os dois dons que te conhecemos, e fazeres de um a ilustração do outro e o contrário também;))
Já conheço alguns destes textos, e destes quadros também (dos outros blós!!! claro), mas estou a adorar vê-los assim em sintonia.
Parabéns pelo novo espaço e um grande beijinho

Sara V. disse...

Obrigado!
A ideia pareceu-me, realmente, interessante.
É verdade que já conheces alguns dos textos e dos quadros mas as ilustrações são novinhas em folha, hehe!
Espero que fique um espaço agradável...
A intenção era mesmo reunir as duas "artes" e os dois públicos...

Beijocas e obrigado pela visita!

Pandora disse...

bom anadamos mesmo nas tintas,ou seja nas tintas da ilustração. Quanto ao texto já conhecia,mas sabe bem reler.. bjs

Sara V. disse...

Pois andamos! Hehe!
E estou a gostar de os ver ilustrados com pequenos apontamentos, acho que resulta... Está a dar-me gozo (e trabalho!)...
Bjs