Flores de Deus

Eram girassóis que lhe caiam no regaço. Antes fossem dálias ou violetas... Seriam menos intensas, menos alegres.

O arco-íris aninhara-se-lhe nos dedos e do seu pescoço pendiam brincos-de-cereja .

A cama era de nenúfares, pintados como num quadro de Monet. As suas mãos percorriam a flora exótica das ilhas do Pacífico gravadas por Gauguin.

Ah, os beijos dele tinham cheiro de lavanda e rosmaninho e a suavidade dos amores-perfeitos que a sua avó plantara no jardim. Já sentia o suor nas pernas, a fluir como um pequeno rio, saltando os joelhos e desaguando nos calcanhares.

O nascer do sol inundava-lhe o quarto.

E naquele que aos seus olhos era um embriagante campo de papoilas, ela rendia-se a toda a perdição.

O pecado era imperdoável e cada vez maior. Mas o sexo de manjericão e baunilha era incomparavelmente aromático. Viciante. Desmedido.

Ele sussurrava-lhe palavras de hortênsias e ela abria-se-lhe como uma flor de laranjeira.

Não era a primeira vez que tanto amor lhe inebriava os sentidos como se de um pomar frutado e doce se tratasse. Era a milésima vez que se perdia com ele por entre flores e frutos, versos e pinturas. E nunca lhe sabia ao mesmo, nunca.

No dia anterior, no seu quarto viveram a Guernica de Picasso e o aroma de laranja, coco e hortelã havia sido insuportavelmente forte.

- Lembras-te como cheiravas a manga e tília? – Segredou-lhe baixinho, enquanto os lábios dele lhe percorriam as coxas ...

O sabor a rosas e margaridas libertou-se. A paixão apaladou-se, cresceu entumecida .

- Como é divino o teu aroma de morango e cidreira... – Confessou ele enquanto percorria o caminho inverso.

As paredes do aprumo registaram as cores quentes da paleta de Munch . Gritantes e bem contornadas, as cores apoderaram-se em êxtase do corpo dele que agora estava no dela.

Lilazes e gerberas vermelhas dançavam contentemente nas entranhas de ambos...

O orvalho da entrega passeava-lhes pelas costas, pelos braços... As línguas tocaram-se humedecidas em anona e folhas de palmeira.

No fim, depois da grande onda de crisântemos e lobélias, sossegaram lado a lado...

E ela, ainda ofegante, pensou se em repouso o quarto também estaria forrado de obras de arte, de perfumes...

A porta estava entreaberta...

- O que vês agora? – Perguntou-lhe ela.

- Um corredor de túlipas e alecrim... – Respondeu ele com um sorriso indescritível. – E tu? O que vês para lá da porta?

- Um corredor de túlipas e alecrim... – Disse ela, abraçando-o.

– E nas paredes do quarto? O que vês?

- Vejo camomilas, romãs e Modigliani... E tu?

- Vejo Shiele , ananases e begónias...

- Tens razão... Agora também vejo... Ele abraçou-a e no fim, após um terno beijo na testa, disse-lhe...

- Estou perdido... Perdido por ti, por este nosso jardim, por este nosso altar às melhores criações dos homens... E Deus chamou-me... Transferiram-me para outra paróquia, muito longe daqui...

Texto de ficção escrito e ilustrado por mim