domingo, 31 de agosto de 2008

A Lava e o Vulcão

A Lava esperava ansiosamente ser pedida em casamento. Mas parecia que o pedido tardava. Aguardava-o há séculos.
E a Lava mostrava-se inquieta, fervilhando de amor e de raiva em simultâneo.
Aquecia-se na espera...
Crescendo, crescendo...
Sonhava com a festa, com a noite de núpcias. Para essa até já tinha guardada no baú uma bonita camisa de noite cor de fogo... Lingerie de labaredas e chinelinhos de quarto de tonalidade quente e efervescente , rendilhados com línguas de fogo, também estavam delicadamente arrumados numa caixa, esperando o grande dia.
A espera era ainda mais tormentosa porque havia prometido apenas provar o amor depois do sacramento... E já não aguentava mais.
O Vulcão passava os dias a provocá-la, a aquecê-la... Pedia-lhe que se deixasse levar pelo desejo, pelo sentimento belo que era a junção de ambos a dançarem o bailado do calor.
Cada vez lhe era mais difícil resistir... Quando se sentava no colo do Vulcão e lhe rodeava o pescoço com os braços conseguia sentir algo a percorrer-lhe o corpo já em estado de liquidificação, de ebulição... Começava a trepar pelas paredes do Vulcão de mansinho, de mansinho, para lhe ser mais fácil controlar a emoção... O Vulcão aquecia, fervia e o ar enchia-se de nuvens de fumo que indicavam que a qualquer momento uma virgem se perderia.
Quando o êxtase se aproximava do abismo, a Lava, ainda afogueada, descia à sua posição inicial, saltava do colo do seu amado Vulcão e despedia-se, fugindo, com o pretexto de que já era tarde e de que tinha que ir para casa.
O Vulcão, que nada lhe dizia, já tinha pensado que só a pediria em casamento depois de ter a certeza de que ela era a “lava” certa para a sua cratera. E sempre que ela se afastava depois de muito o excitar, ele ficava num transe de agonia... Entumecido , trémulo de prazer contido, não aceite...
Com o passar de mais algumas décadas, a pureza da Lava havia-se tornado uma obsessão para o Vulcão. Já para a Lava, levar o Vulcão ao pico da fantasia e deixá-lo cair do cume da imaginação sem pára-quedas e ainda fazê-lo repetir a proeza vezes sem conta passara a ser um desafio delicioso. Assim, o amor que sempre sentiram transformava-se aos poucos num joguete, numa competição ardente. Insistiam em atiçar-se, em bailar a música do calor... Embora o bailado já tivesse pouco de candura e até de ternura... transformara-se num strip acalorado cujos acordes principais eram de um erotismo desenfreado.
Todavia, sem se aperceberem, ambos caminhavam para uma solução, para um final que desejavam, embora pensado diferente.
A Lava, agora menos menina, e o Vulcão até se esqueceram do pedido de casamento tal andavam com as cabeças ocupadas em lides mais carnais. Já não conseguiam passar um sem o outro... Todos os dias sem excepção, avançavam mais um pouquinho.
Certa madrugada, a Lava escapuliu-se sorrateiramente de casa e com ela levava uma pequena bolsa. Encontrou-se clandestinamente com o Vulcão e disse-lhe...
- Será hoje. Agora... Também já não quero esperar mais.... – Nos seus olhos saltitava um brilho que queimava.
- Lava, Lava! Como me fazes feliz! – Gritava o Vulcão visivelmente embriagado por tal anúncio. Preparava-se para a abraçar quando ela o repele e diz...
- Calma! Já que será antes do casamento, pelo menos, finjamos que é a nossa noite de núpcias. Quero uma primeira vez memorável, com todos os detalhes que imaginei... Por isso, espera um pouco... Volto já... – E dito isto, a Lava segurou na bolsa que trazia e desapareceu.
O Vulcão ficou meio confuso, meio perdido entre o desejo que lhe rebentava no colo e a excitação da surpresa... Onde teria ido a Lava?
Não esperou muito... A Lava apareceu de camisa de noite cor de fogo. Nos pés calçava chinelinhos de quarto de tonalidade quente e efervescente , rendilhados com línguas de fogo... O Vulcão susteve a respiração. Sentiu-se a arder a uma velocidade estonteante. A Lava estava muito mais quente do que uma brasa. Tinha arrasado com o seu imaginário, ultrapassando-o em muito.
Entregaram-se, por fim, às trocas corporais, às carícias, aos beijos desenfreados. Quando o Vulcão lhe arrancou a camisa, descobriu uma Lava ainda mais provocante, com lingerie de labaredas...
Por esta altura, o fumo que o Vulcão deitava já se avistava a quilómetros de distância, já tinha até sido dada ordem de evacuação aos habitantes das proximidades. Ninguém levou de ânimo leve tal ordem. Todos a respeitaram, há muito que tinham reparado na actividade crescente do Vulcão...
Numa tremenda explosão, perdeu-se a virgem. E logo de seguida, mesmo logo de seguida, deu-se a erupção do Vulcão.
A Lava levantou-se desiludida, depois de tantos anos de preliminares pensou que o acto em si fosse mais intenso do que foi, soube-lhe a fogo-de-artifício.
O Vulcão, envergonhado, continuava deitado, quieto... Sabia que se tinha precipitado mas o impulso fora mais forte do que ele...
- Desculpa, não sei o que se passou comigo... Acho que já não aguentava mais... Tu provocaste-me tantos séculos... – Lamenta o Vulcão.
- O amor... o desejo... Esta, foi a minha primeira vez... – A Lava parecia falar sozinha, deixar o pensamento soltar-se.
- Para mim foi bom demais... Sei que para ti... Mas, agora, podemos casar e teremos muitas outras vezes... Muito melhores do que esta. Prometo. Temos o tempo todo do mundo... Tenho a certeza que te quero para toda a eternidade, minha Lava!
A Lava riu-se... Olhou para o Vulcão e respondeu-lhe...
- Querido Vulcão... Para que haja uma próxima vez bem sabes que teremos que esperar três séculos no mínimo! E... ainda bem que falas no casamento... Decidi que já não me quero casar, ainda sou muito nova... Vou antes conhecer o mundo... – Ao proferir estas palavras vestiu-se e saiu . Saltou a cratera do vulcão e correu pelo vale, alegremente... Não pensava regressar.
Já não via sentido em regressar a casa, em casar com um Vulcão que era pequeno demais para ela – só agora se apercebera disso, agora que num suposto momento encantado se desencantou – ou em ficar de braços cruzados à espera de um novo Vulcão... Pelas redondezas nem havia outro em actividade... só um que já estava extinto...
Com este Vulcão aprendera, contudo, a não recear as surpresas do mundo e muito menos os preconceitos... Ultrapassara a barreira, o Vulcão tanto insistiu que conseguiu.
A Lava já não era mais a inocente menina. O Vulcão transformara-a numa mulher de fogo...
Correu livremente pelo vale, pela planície, lambendo com gigantescas gargalhadas escaldantes casas, árvores, tudo o que lhe apareceu pelo caminho. Sentia-se feliz e viva, mais do que nunca.
O Vulcão na sua vergonha, na sua solidão, envelheceu isolado, sem lava com quem partilhar preliminares ... preto, chamuscado pelo fogo que ateou...
Escrito e ilustrado por mim

8 comentários:

Anónimo disse...

Lindo o amor e o encanto entre a lava e o vulcão.
E de tanto esperarem, de tanto se desejarem ao longo dos séculos, tiveram a Primeira Noite e foi uma desilusão.

Ela percebeu que aquele vulcão era minúsculo demais para ela, tinha ardido de desejos não realizados e na consumação desses desejos, nada encontrou que corresponde-se aos desejos dela...
Ficou alegre e partiu nessa alegria´pronta e decidida, a não voltar.

E ele, pobre Vulcão descobriu tarde demais a sua lava e não a tornou feliz ... Ele sabia que ela não voltava ...Ele sabia e, aos poucos, diluiu-se em Nada!

Lindo texto, cheio de imaginação e de qualidade de escrita quando descreve os encontros de desejos e de amor, sem ser necessário a torpeza de que muitos se envolvem
quando escrevem, ou tentam escrever,de forma sórdida o que deve encantar! Pobres coitados,
Não sabem de Nada!

Beijos,
Maria Luísa

os7degraus e prosa-poetica

Anónimo disse...

Já deixei comentário!

Uma pergunta:

bosquesdaalma também é seu?

Não tenho autorização para entrar.

Maria Luísa

os7degraus/prosa-poetica (Sapo)

Carla disse...

lembro-me de ter lido este teu texto e de o teu achado fabuloso
beijinhos e obrigada pela reedição

Sara V. disse...

M. Luísa,
Mais uma vez, agradeço o seu comentário, tão gentil.
Gosto de "brincar" com as palavras, os elementos que nos rodeiam e imprimir-lhes sentimentos e sensações conhecidas e experimentadas pelos comuns mortais.
Penso que o tal "torpor" de que fala está na Moda, mas nem tudo o que está na Moda tem qualidade. A escolha das palavras, dos termos e do ritmo confere, com toda a certeza, um tom, uma visão. Cada um tem a sua... Uma má selecção de palavras pode fazer perder o encanto a actos ou situações que me parecem encantadores!Adoro "enaltecer" o Belo...
Ainda bem que gostou...

Um grande beijinho

P.S. - Quanto à pergunta sobre os bosquesdaalma, não, não é meu. Eu só tenho este blog aqui e depois O Tintas e Pincéis no sapo (ah, mais o Asas para Voar também no sapo)

Sara V. disse...

Carla,
Obrigado!
Pois, aqui neste cantinho, no fundo, estou a reeditar os meus textos mas desta vez ilustrados por mim... E, de vez em quando, salpico também este espaço com um desenho ou quadro... Tudo made by me:)

Não tenho estado por cá. Estive de férias. Em breve retomarei as visitas aos blogs dos amigos!

Beijocas

Pandora disse...

Coitadinho do teu vulcão tão ingénuo....linda menina a Lava...
delicioso
jinhos

Pandora disse...

Ah "O Bosques da alma" é meu.

Sara V. disse...

Pandora,
Pois, pois... um Vulcão e uma Lava... Histórias que se repetem no nosso mundo, lol!
Bjs