sábado, 11 de outubro de 2008

E depois do amor?

Ele já tinha amado muito. Talvez nem sempre com o coração mas tinha dado muito amor.
Amou sem olhar a credos, a cores, a feitios...
Amou sem olhar a quem.
Pensou amar quando não amava.
Perdeu-se em promessas que não cumpriu, em palavras que mentiu, em pensamentos que esqueceu e em camas onde dormiu.
Divagou por olhares ardentes, por sentimentos dormentes.
Apaixonou-se sem saber. Teve receio de perder.
No entanto, depois de tantas almofadas de penas, de tantos bancos traseiros, de imensas alcatifas e de diversos sofás, sentia-se só. Uma solidão sem explicação. Era casado e raras foram as vezes que não tivera amantes.
Dito assim, parece tratar-se de um homem já maduro, que gozara muitos anos de vida, possuidor de uma leviandade sem fim. Mas não. Estava muito perto dos trinta. Apenas. Casara cedo e fora pai duas vezes.
Em casa não lhe faltava amor mas ele teimava em procurá-lo. Sabia ser o amor de alguém que não era o seu amor. Mesmo que todas as noites regressasse, que beijasse os filhos e quem por ele tinha amor, a sua alma estava cheia de vazio, de sonho, de ilusão... Queria porque queria amar e se não amasse não se sentiria completo. Não se sentiria homem.
Costumava dizer que se sentia mal por não ser capaz de retribuir o amor que lhe davam a mulher e as amantes, que mais não eram do que simples tentativas de encontrar o seu verdadeiro amor. Havia-se precipitado, enganado. Seguido um impulso, uma paixão. Mas as paixões são como um caldeirão de água a ferver... a borbulhar. Quando o fogo se extingue, elas arrefecem.
Ao contrário do que se possa pensar, o facto de ter dormido com muitas mulheres, de as ter amado em mil sítios e posições não era para ele motivo de orgulho, mas sim de azar. Significava que não tinha ainda amado quem queria e era capaz de amar e que a busca teria que continuar, não dando sossego ao seu corpo e muito menos à sua alma, já tão provecta de cansaço e frustração.
E a solidão que sentia crescia de dia para dia, de hora para hora, de minuto para minuto.
Tinha uma ambição desmedida que considerava natural...
Um desejo que lhe parecia poder satisfazer por direito...
Um sonho que era o único que o fazia suportar o tempo desperdiçado.
O amor. O verdadeiro amor.
Um dia, por acaso, ao calhas e quiçá por vontade, apaixonou-se.
Nova paixão.
Até aqui nada diferente. Talvez contraditório... Isso, sim. Afinal, ele era um homem eternamente apaixonado, vazio e infeliz. Alguém que procurava com tal avidez o amor mas que só encontrava paixão, que distribuía beijos, carícias, pedaços do seu órgão viril que traziam infelicidade a muitas mulheres. À dele que, definitivamente, o amava e às que ia tendo e que talvez o amassem ou assim pensassem.
Num momento muito preciso, em que os ponteiros do seu coração bateram ao ritmo de outra aura, a nova paixão transformou-se em amor. No amor que ele sonhava, que ele queria... pelo qual enganava, atraiçoava e fugia, mesmo antes de o encontrar.
Reconheceu-o logo depois de a amar.
Despido, de pernas e braços entrelaçados, entre mechas de lençóis revoltos e amachucados, com a cabeça na almofada olhou para ela e sorriu... nada disse. Não se levantou e muito menos se vestiu.
Deixou-se ficar, ali, depois do amor... sorvendo o brilho do olhar dela, a suavidade do seu cabelo, a palidez da sua pele...
Pela primeira vez, sentiu-se homem. Homem inteiro.
Depois de muitos leitos de prazer... o derradeiro, o prometido.
Uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto. Uma lágrima de emoção.
A sua alma e o seu corpo estavam de tal forma saciados...
No entanto, descobriu uma tristeza. A tristeza de querer e não dever. Martirizou-se, consumiu-se.
O vazio desaparecera mas conheceu o reverso do que pedira. A outra face do amor. E o amor para quem está preso pode ser uma loucura tortuosa.
Este amor fez-lhe ter ainda mais a noção do quanto havia sido infeliz e isso nem sempre é belo, nem sempre é mágico.
Soube-o quase desde o instante em que se cruzou com ela, ainda antes de saberem quem era um e quem era o outro...
Dispersos em palavras e outros tantos lençóis, ele amava-a, com toda a força do seu Ser.
Na tarde seguinte a fazerem amor pela primeira vez, estando separados de manhã, ele escreveu um postal...
“Nunca tinha entendido porque dormiam as pessoas a seguir de fazerem amor... Nunca.”
Nessa noite voltaram a amar-se e ele adormeceu, muito abraçadinho a ela, protegendo-a da noite fria com o calor do seu corpo.
No postal continuou...
“É que de todas as vezes que amei, ou pensei ter amado, logo após o amor acabar sentia um frenesim... uma inquietude... Uma bola de energia eléctrica que me fazia inventar um milhão de coisas para fazer... ou simplesmente ter uma vontade incontrolável – e quase repugnante – de fugir da cama para fora, da pessoa que tinha amado, do mundo...”.
Mais uma noite de libido, trocas de saliva, de prazer passou. Outra, que ele dormiu. E acrescentou ao postal...
“Agora sei porque as pessoas que de verdade amam adormecem depois do amor... Porque esgotaram a sua energia, a sua alma... A sua entrega foi total. E o que sobrou foi Paz. Sinto essa tranquilidade... Poderia ficar eternamente preso a esta cama, que seria eternamente feliz. Isto é o Amor”.
Entregou-lhe, então, o postal. Nada mais parecia haver para lhe acrescentar... Talvez e somente o que depois de a ver concluir a leitura lhe disse, com os olhos repletos de amor... - Amo-te, de verdade. Sem dúvidas ou impulsos. É amor o que sinto por ti...
E assim, ele quis viver sem mais prisões, impedimentos e traições o seu amor.
Mas não viveu... Continuou acorrentado. Talvez não por escolha sua...
Para ela, terá ele sido uma paixão?
Texto escrito e ilustrado por mim

3 comentários:

Maria Fragoso disse...

Texto lindissímo!
Como todas as tuas histórias!
beijinhos

Sara V. disse...

:):):)
Obrigado!
Beijinhos

Maria Fragoso disse...

Obrigada? De nada ... é verdade!
Muito amor, muito romantismo ...
Beijinhos